Assim comecei a correr

20/06/2017
Revista Vida Prática
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A professora, mestre e doutora em Química Ana Carolina Ribeiro Gomes é uma dessas pessoas determinadas que, como num passe de mágica ou como numa ficção ‘a la Bridget Jones’, acorda em um belo dia nublado, e resolve mudar radicalmente de estilo de vida.

Sempre muito dedicada aos estudos e ao trabalho, na fase final do doutorado, na Universidade Federal do Grande ABC, o estresse foi, segundo ela, traumático. Ela já vinha de uma fase conturbada pelo mestrado na USP, e o ganho de muitos quilos a mais no seu peso intensificou o processo.

Mas ela só se deu conta de que a calça de muitos números acima estava apertada quando viu as fotos da apresentação da sua defesa de mestrado. “Quando olhei para aquelas fotos, pensei: não dá para continuar assim! Hoje, olho para trás e vejo como foi engraçado. Defendi meu trabalho num dia e no dia seguinte caiu a ficha. Eu decidi que não iria mais me preocupar em mudar de emprego ou continuar a estudar, nada disso. Eu tinha que cuidar da minha saúde e do meu bem-estar! ”

Não dá para continuar assim!

A insatisfação com o próprio corpo ou com a saúde é uma das principais causas do início da prática da corrida. Até aí não tem nenhuma novidade. Porém, a diferença está em transformá-la em determinação. Parece fácil para uma pessoa tão aguerrida quanto ‘Carol’, como Ana Carolina gosta de ser chamada pelos mais íntimos, mas não é. Ela teve que lutar durante um ano inteiro, mantendo o seu foco na prática de atividade física diária e na reeducação alimentar.  Não se preocupando com mais nada, só com a sua meta.

Carol recebeu o nome dos seus pais, dona Diva e seu Valter. Foi uma homenagem à bisavó Josephina Carolina que teve que abandonar o segundo nome assim que imigrou da Itália para cá. Paparicada pelos pais até os dez anos de idade, Carol, que tem três irmãs mais velhas do que ela, perdeu o posto de ‘caçula’ quando ganhou uma sobrinha. Ela passou a se intitular como a filha rebelde e a ovelha negra da família. Percebeu que era diferente e gostava de lutar para alcançar seus objetivos. Entrou de cabeça nos estudos e sempre foi uma excelente aluna. Porém, o esporte, exceto a natação na infância, nunca esteve presente na sua rotina. Mesmo com algumas matrículas em academias, ela nunca frequentou por mais de três meses nenhuma. Isso até 2011, quando ‘aquela foto’ a fez enxergar o quanto o sedentarismo a tinha prejudicado. Com um metro e cinquenta e sete centímetros de altura, Carol chegou a pesar setenta e seis quilos.

 

 

 

 

 

 

 

Ninguém nunca disse à Carol que ela estava acima do peso, beirando à obesidade. E ela não se enxergava dessa forma. “Eu me achava linda, gostosa e estava super bem com a minha imagem. Só a minha mãe me dizia que eu estava um pouco gordinha”. Quando ela se deu conta, a primeira coisa foi marcar uma consulta com uma nutricionista funcional. O segundo passo foi começar a fazer caminhadas por conta própria. Nessa fase, o mais difícil foi estabelecer uma rotina diária e Carol não conseguia se disciplinar sozinha.

Aos 33 anos, depois de pesquisar algumas assessorias esportivas, ela optou por uma especializada em corrida. Vencendo a timidez, sentimento o qual ninguém acredita que ela tenha, Carol foi para a sua aula-teste, sem conhecer ninguém. Ela atribui a esse dia, o grande momento de mudança na sua vida. “Mudei da água para o vinho. Até os meus alunos, pois dou aulas de Química em colégios e faculdades, comentavam como eu estava mais animada, legal e entusiasmada”.

Quando se está acima do peso ou em situações nas quais temos que enfrentar algo novo, a timidez costuma arrebatar a maioria das pessoas. Só que para ela a vontade de ficar de bem consigo mesma foi mais forte. Muito maior do que qualquer sentimento. “Há todo momento eu repetia mentalmente que o mais importante era alcançar o meu objetivo. E para isso tive que superar os medos, a timidez e a ansiedade. Essa vontade me fez esquecer de tudo. Lógico que não foi fácil. Também vinham aqueles pensamentos de que eu, uma ‘porpeta’, toda redondinha e gordinha, teria que correr ao lado de pessoas estranhas, magras, com corpos lindos e super bem dispostas. A comparação é inevitável”.

Receptividade da turma e profissionalismo dos treinadores. Carol destaca essas duas características que fizeram a assessoria de corrida uma grande aliada para a sua grande mudança. “A metodologia e os exemplos de superação das pessoas que já estão lá há mais tempo são essenciais para nos dar ânimo. Já estabeleci a minha meta logo no início. Eu queria correr dez quilômetros até o final daquele ano, em dezembro. Passei a seguir à risca as planilhas de treino e a acompanhar o grupo sempre. Em abril, eu bati a minha meta, ou seja, corri os dez quilômetros e, em dezembro, fiz a São Silvestre, em São Paulo. Em fevereiro do ano seguinte, completei a minha primeira meia maratona”.

No caso da Carol, que vem do meio acadêmico, a metodologia e a disciplina da assessoria esportiva foram fundamentais para a sua autodescoberta como corredora amadora. Além disso, ela gosta de frisar que ficou, ainda, mais chata e rigorosa com os próprios hábitos. “A nutricionista ficou muito feliz. Passei a seguir a dieta direitinho e comecei a negar convites para qualquer programa que me desviasse do caminho. Se alguém me convidava para comer alguma coisa que sempre adorei e estava fora do cardápio, eu não ia e pronto! Também parei de consumir qualquer tipo de bebida alcoólica. E se tinha alguma prova no final de semana, ia para a cama mais cedo, sem ligar para caras feias ou brincadeiras. É fácil você perder alguns amigos ou colegas que não estão na mesma sintonia, isso também desanima um pouco. Só que por outro lado, eu me sentia mais feliz, pois o corpo começa a liberar endorfina. E os meus alunos mais gordinhos começaram a me ver como um exemplo de motivação. Vinham me mostrar medalhas, falar sobre treinos, enfim, isso me deu mais gás. E a certeza de que estava no caminho certo”.

É um caminho sem volta. Para ela o grande ‘barato’ de correr é tirar a energia de algum lugar que ela sequer imaginava que existisse e sentir, no durante, uma alegria imensa. Nesse um ano de luta intensiva para tornar-se uma corredora de rua, ela participou de doze provas individuais, uma de revezamento e uma caminhada que durou onze dias, totalizando 240 km. Ela fez o Caminho do Sol, no interior do Estado de São Paulo.

A peregrinação foi aquele empurrãozinho que faltava. Na vida da Carol, a percepção do ‘ser’ é a única coisa que realmente importa.

O Caminho do Sol

Baseado no Caminho de Santiago, rota religiosa que cruza o norte da Espanha até a cidade de Santiago de Compostela, atraindo milhares de pessoas desde a Idade Média, o ‘Caminho do Sol’ brasileiro também é um percurso de aventura e contemplação. No interior paulista, o peregrino precisa ter certo preparo físico e espiritual para concluir o trajeto, que começa na cidade de Santana de Parnaíba e vai até o município de Águas de São Pedro. A trilha, que também pode ser feita de bicicleta, é um passeio desafiador, com 241 km. Com paisagens bucólicas, que atravessam os centros urbanos das cidades pequenas, o Caminho do Sol passa pelas fazendas e casarões históricos e pelas plantações a perder de vista. Muitos desses lugares foram desbravados pelos bandeirantes durante o período de colonização e fundação das vilas no interior de São Paulo, como Pirapora, Cabreúva, Itu e Salto.

A caminhada começa todas as quartas-feiras terminando aos sábados, com duração de onze dias. Recomenda-se assistir a uma palestra preparatória antes da experiência. O kit de inscrição que inclui o passaporte do Sol, porta passaporte, gargantilha de madeira com seta amarela, guia impresso, cajado personalizado e seguro acidentes pessoais pela Cia Porto Seguro custa R$ 202,80. As diárias são pagas diretamente nas pousadas com dinheiro ou cheque, no valor de R$ 130,00 até R$ 170,00 por dia, com almoço, jantar, pernoite e café da manhã.

Mais informações: www.caminhodosol.org.br

Categorias:
Bem-estar

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